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Casamento entre “iguais”: a linha que separa a aparência da realidade. (RI §401805)  

- Marta Costa

CASAMENTO ENTRE “IGUAIS”: A LINHA QUE SEPARA A APARÊNCIA DA REALIDADE

Por

MARTA COSTA

Universidade de Coimbra e Universidade de Bolonha

[email protected]

No novo milénio muito se tem falado sobre a desejabilidade, ou mesmo necessidade, da legalização do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.

Em Portugal, à semelhança do que sucede em vários outros países vizinhos, vige uma verdadeira concussão de opiniões e sentimentos, balizada, por um lado, pela reverência pela tradição, por outro, pelo respeito pela felicidade de todos e cada um de nós. Por conseguinte, a Lei que regula a União de Facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) é, para alguns, demasiadamente concessiva, e, para outros, exageradamente redutora.

Certos Estados parecem ter dado um claro e definitivo passo em frente, sem receio. Foi o que sucedeu na vizinha Espanha, onde a Lei n.º 13/2005, de 1 de Julho, após muitas hesitações, conseguiu ver verdadeiramente a luz do dia, permitindo aos iguais acederem ao matrimónio civil.

A oportunidade da abertura do casamento a duas pessoas homossexuais tem sido acerrimamente debatida em França, não obstante estes casais continuarem a ver-lhes vedado o acesso ao instituto ancestralmente considerado base da família. Como formas (claramente menores) de proteger o seu amor, podem recorrer ao Pacs, instituto devidamente formalizado, ou manter a relação num puro plano factual, através da figura da concubinage. O Presidente Nicolas Sarkozy anunciou, todavia, o seu intuito de, ainda em 2007, criar um instituto mais próximo do casamento destinado aos casais formados por “iguais”, denominado union civile homosexuelle. Em entrevista a Têtu, Le magazine des gays et des lesbiennes (1), afirmou que: <<L’amour hétérosexuel n’est pas supérieur à l’amour homosexuel (...). L’amour homosexuel doit être reconnu (...). Il fait lui donner un cadre qui lui permette de s’exprimer>>.

Em Itália, eventualmente justificável por tantas razões que poderiam aqui ser objecto de menção, das quais sobressai a proximidade geográfica com o Vaticano, nenhuma forma de convivência formal é acessível aos “iguais”, apesar dos confrontos frequentes entre as várias fracções políticas a este respeito.

Assim, o quadro grosseiramente delineado aponta nitidamente para um contexto legislativo heterogéneo na parte da Europa sobre a qual me encontro a fazer algumas reflexões. Tal não impede, contudo, que na prática surjam situações próximas em todos esses Estados, as quais nem sempre são solucionadas de formas diametralmente opostas; o que pode significar que a realidade se apresenta mais aquém – ou além – da aparência.

Em 2 de Fevereiro de 2006 foi interposto um recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, por parte de duas mulheres que tentaram casar, e às quais foi recusada a celebração de matrimónio, pelo Conservador da 7.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, com base na inexistência de diversidade de sexos (2). O acórdão, de 15 de Fevereiro de 2007 (3) manteve a decisão do tribunal a quo, por sustentar que <<a lei portuguesa considera integrativo do seu núcleo essencial a celebração do contrato de casamento por pessoas de sexo diferente>> (...) considerando juridicamente inexistente o casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo>>.

Comportamento oposto teria de ser o adoptado pelos juízes espanhóis, perante situações como a supra delineada, após a entrada em vigor da mencionada Lei n.º 13/2005. Todavia, parece que mesmo esses – ou pelo menos uma parte da classe – sempre que pode evitar a aplicação da presente lei o faz, sem grande pudor. Assim procedeu o juiz de paz de Canet de Mar (Barcelona), que não permitiu a celebração de um matrimónio entre um cidadão espanhol, Enric Baussels, e um cidadão indiano, Vipul Dutt, alegando que a nova lei não possibilitava a celebração de matrimónio entre um nacional e um estrangeiro que fosse proveniente de um país cuja legislação não admitia o casamento homossexual. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal superior de justiça da Catalunha (4), que salientou que o art. 9.1 do Código Civil previa que a lei determinante para avaliar a capacidade da pessoa para contrair matrimónio é a lei pessoal, dada pela nacionalidade. Asseverou, no entanto, não se tratar de qualquer problema atinente à aplicação da nova lei, já que em causa estava um problema de direito conflitual, e não de direito material.

Enric Baussels e Vipul Dutt residiam em Espanha desde Setembro de 2001, país que, aliás, correspondia ao lugar da celebração do matrimónio. Julgamos que, pressupondo correcta a aplicação do art. 9.1, se poderia invocar a excepção de ordem pública internacional, para aplicar a lei espanhola. Tal já foi feito em outros casos próximos pela jurisprudência espanhola. Foi o que sucedeu, e.g., quando um transexual costa-riquenho se quis casar com um cidadão espanhol (5). O Ministério Fiscal tinha-se recusado a registar o matrimónio por entender que, de acordo com a legislação do país de origem, o transexual continuava a ser considerado homem. Porém, o Tribunal n.º 40 de Barcelona tinha reconhecido esta pessoa como mulher, determinando a directora do registo que se tratava de um caso de excepção de ordem pública internacional.

Decisões deste tipo reforçam a convicção de que, nesta matéria, a linha que separa a aparência da realidade não é invisível.

Também em França se verificou uma situação que merece referência nesta sede. Noël Mamère, prefeito de Bègles e oficial de estado civil, celebrou, em 5 de Junho de 2004, um matrimónio entre dois homens, baseando-se na inexistência de uma definição legislativa de casamento (6). Este veio, contudo, a ser invalidado pelo Tribunal de Grande Instance de Bordéus, em 19 de Abril de 2005, a pedido do Ministério Público. Desta decisão houve recurso para o Tribunal de segundo grau de Bordéus, o qual, em 19 de Abril de 2006, a manteve (7). A Cour de Cassation, em audiência pública de 13 de Março de 2007, rejeitou o recurso (8), pois <<selon la loi française, le mariage est l’union d’un homme et d’une femme; (...) ce principe n’est contredit par aucune des dispositions de la Convention européenne des droits de l’homme et de la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne qui n’a pas en France de force obligatoire (…) le moyen n’est fondé en aucune de ses branches>> (9).

Ainda em Itália, país que, como se deixou antever, consubstancia o Estado cuja protecção dos casais homossexuais se apresenta mais diminuta, se têm levantado problemáticas próximas. Assim, o Tribunal de Latina, confrontado com a necessidade de transcrição de um casamento de dois italianos celebrado em Haia, decidiu, em 10 de Junho de 2005, que: <<la diversità di sessi dei nubenti costituisce elemento essenziale per l’identificazione (...) della fattispecie naturalistica posta alla base dell’istituto matrimoniale, secondo una concezione, che prima ancora che nella legge, trova il suo fondamento nel sentimento, nella cultura, nella storia della nostra comunità nazionale. Ne consegue che, per l’assenza dei requisiti minimi essenziali, manca il presupposto indefettibile per la trascrizione nei registri dello stato civile del matrimonio contratto all’estero fra cittadini dello stesso sesso>> (10). O Tribunal considerou que o art. 29 da Constituição italiana faz referência a uma concepção tradicional de casamento, entre pessoas de sexo diferente. Por isso, entendeu legítima a recusa da transcrição do matrimónio por parte do oficial de estado civil (11).

Em todos os casos referidos, que embora material e mesmo formalmente díspares entre si, apresentam fortes elementos de identidade, as respostas jurisprudenciais foram unânimes: o não reconhecimento ou a não celebração do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Tal leva-me a acreditar que pode subsistir, mesmo no caso dos Estados mais progressistas, paradigma aqui representado pelo espanhol, uma fronteira mais visível que o politicamente desejado entre a aparência e a realidade no que concerne ao tratamento dado aos casais homossexuais.

NOTAS:

(1). Disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.tetu.com (16 de Abril de 2007).

(2). Disponível no seguinte endereço electrónico: http://Portugalgay.pt (6 de Setembro de 2006).

(3). Processo n.º 6284/2006-8, com texto integral disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.dgsi.pt (16 de Maio de 2007).

(4). Jornal El País, jueves 7 de julio de 2005, 34/Sociedade, disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.elpais.com (9 de Julho de 2005); decisão disponível na base de dados electrónica da Universidad Carlos III de Madrid.

(5). In base de dados electrónica da Universidad Carlos III de Madrid.

(6). V. informações disponíveis no seguinte endereço electrónico: http://noelmamere.org (5 de Janeiro de 2005); também com referência a este caso, v. D. Eribon, Por ese instante fragil: Reflexiones sobre el matrimonio homosexual, Ediciones Belaterra, Barcelona, 2005; D. Borrillo, “Homosexual individuals, same-sex couples and homoparental families: an analysis of French legal reality”, in The gays’ and lesbians’rights in an enlarged European Union, A. Weyembergh, S. Carstocea (eds.), Editions de l’Université de Bruxelles, Bruxelles, 2006, pp. 55 ss.

(7). Disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.legifrance.gouv.fr (6 de Fevereiro de 2006).

(8). Processo n.º 05-16627, disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.legifrance.gouv.fr (6 de Fevereiro de 2006).

(9). Disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.legifrance.gouv.fr (5 de Abril de 2007). N. Mamere foi suspenso das suas funções. V. a decisão do Tribunal administrativo de Bordéus, de 9 de Julho 2004, Revue de l’actualité juridique française, disponível no seguinte endereço electrónico: http://rajf.org (12 de Março de 2005).

(10). In Famiglia e diritto, n.º 4, 2005, pp. 411 ss, com anotação de P. Schlesinger, “Matrimonio tra individui dello stesso sesso contratto all’estero”, pp. 415 ss, e de M. Bonini Baraldi, “Il matrimonio fra cittadini italiani dello stesso sesso contratto all’estero non è transcrevibile: inesistente, invalido o contrario all’ordine pubblico?”, pp. 418 ss (sublinhado nosso). Sobre este v. também J. Long, Il diritto italiano della famiglia alla prova delle fonti internazionali, Giuffrè editore, Milano, 2006, pp. 217 ss. V. igualmente: acórdão da Corte di Cassazione (civile), de 20 de Maio de 1976, n.º 1808, onde se decidiu que: «il matrimonio dichiarato nullo e contratto in mala fede (ossia nella consapevolezza della sua invalidità) da entrambi i coniugi, ha gli effetti del matrimonio valido rispetto ai figli nati o concepiti durante lo stesso, salvo che la nullità dipenda da bigamia o incesto. Ciò non si verifica in caso di matrimonio "inesistente", dovendosi però l'inesistenza ravvisarsi solamente nella mancanza della realtà naturalistica della fattispecie, i cui requisiti minimi sono dati dalla presenza di due persone di sesso diverso, manifestanti la volontà matrimoniale all’ufficiale celebrante, e non anche nella nullità della trascrizione del matrimonio religioso» (Giurisprudenza italiana, Vol. I, n.º 1, 1977, p. 1378, com anotação de C. Rossi); acórdão do Tribunal de Roma de 28 de Junho de 1980 (Giurisprudenza Italiana, Vol. I, n.º 2, 1982, p. 170, com anotação de T. Galletto, “Identità di sesso e rifiuto delle pubblicazioni per la celebrazione del matrimonio”).

(11). G. Ferrando, “Il matrimonio”, in Trattato di diritto civile, Giuffrè editore, Milano, 2002, pp. 277-278.

 
 
 

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